Erin Jade de Movement Fluency
Terapeutas e médicos pareciam ter combinado: Clara precisava fortalecer a musculatura abdominal, caso contrário sua lombar iria continuar a sentir os reflexos do sedentarismo e da postura inadequada. A contribuição da musculatura abdominal na estabilização da coluna vertebral era senso comum, assim, a indicação para o tratamento também era unânime: fortalecimento abdominal. A vendedora de 34 anos, porém, já havia passado por sessões de terapia, aulas de Yoga e Pilates, treinamento funcional e RPG sem que as dores nas costas dessem algum sinal de recuo.
Clara havia aprendido a encaixar a pelve, usar a respiração para ativar o abdome, acionar a musculatura pélvica e manter as costelas conectadas. Após tantas horas de exercícios físicos, ela acabou assimilando uma série de instruções corretas e adquiriu um apurado senso postural sem, contudo, poder usufruir dos benefícios proclamados. Entre uma prescrição e outra, Clara passou a ouvir uma palavra em uníssono, por vezes usada como substantivo, outras como marketing.
“Core” parecia uma palavra da moda e, ao mesmo tempo, uma sinopse de todo o complexo que envolvia a musculatura abdominal. No Google, Clara havia encontrado nada menos que 15 milhões de sugestões para core dentro do contexto procurado.
Músculos profundos que compõe o cilindro abdominal
Como um cinturão muscular, o core encerra o peritônio a partir da coluna, costelas e pelve. Em sua dimensão mais profunda – inner corset-, os músculos do core abraçam o tronco sem dobrar, girar ou inclinar a coluna, estabilizando-a. Isso diferencia-os de outros músculos do mesmo complexo – outer corset.
Plano transverso: músculos profundos contraídos e superficiais relaxados
Logo, Clara percebeu que os exercícios físicos que enfatizavam movimentos de flexão, rotação e inclinação do tronco estimulavam músculos que não eram capazes de estabilizar a coluna com eficiência, pois fatigavam rapidamente, o que não podia ser esperado de fibras capazes de manter a postura.
Assim, Clara passou a separar o trabalho da musculatura postural daquela que participava dos movimentos do tronco. Acertadamente, ao invés de dedicar-se a séries intermináveis e flexões abdominais, ela começou a relaxar os músculos abdominais superficiais para evidenciar as camadas mais profundas.
Uma rota indireta para se atingir o inner corset é tirar vantagem da contigüidade fascial entre a musculatura do assoalho pélvico e deste cinturão abdominal. A base do core é o triângulo anterior do períneo e, quando o períneo é contraído, as fibras inferiores do inner corset também são ativadas. Assim que Clara conseguiu ativar a musculatura profunda independentemente da superficial, entendeu sua ação estabilizadora e sentiu resultados imediatos. Estava assim lançada as bases para livrar-se das dores que há tanto tempo a acompanhavam.
Embora os músculos profundos do abdome possam participar da respiração, os superficiais também ajudam. Logo, simplesmente levar o umbigo à coluna durante a expiração não tinha mais significado para ela.
Encontrar uma posição neutra para a coluna vertebral e ser capaz de mantê-la durante a execução dos exercícios físicos foi outra estratégia encontrada pela vendedora para atenuar as dores nas costas. Clara, antes de tudo, passou a evitar o efeito de “ioiô” na pelve, deixando mesmo alguns exercícios de lado quando não conseguia manter a estabilidade necessária para sua execução.
Efeito ‘ioiô’ ocorre quando a musculatura é insuficiente para resistir (R) à força (F) durante os exercícios.
Os exercícios de flexão e extensão das pernas, por exemplo, passaram a ser feitos dentro de uma pequena amplitude de movimento, mas com grande consciência sobre o movimento. Aqui, as palmas das mãos sob a lombar ofereciam um input valioso sobre a mobilização de sua coluna na realização dos exercícios.
Posicionar as mãos sob a lombar em alguns exercícios oferece um input valioso sobre a mobilização da sua coluna.
Clara, enfim, havia percebido que, antes de lançar-se à realização de exercícios desafiadores, era preciso desenvolver sua consciência corporal e assim restabelecer o alicerce de sua prática. Isso demandava paciência e, em não raras vezes, tornava exercícios simples extremamente difíceis para ela.
Apesar das dificuldades, o surgimento de benefícios quase imediatos após tantos anos de prática abriu o caminho para que Clara pudesse livrar-se das dores e isto, por si só, mudou completamente a relação que tinha com seu próprio corpo e lhe serviu de motivação para uma prática diária que a acompanha até hoje.
Puxa. Vi toda minha trajetória na retomada das atividades após anos de dores lombares na historia de Clara. Também passei pelo mesmo processo de conscientização. Valeu