“O movimento é o único meio que temos para interagir com o mundo ao redor, quer migrando de um continente a outro em busca de comida ou chamando a atenção de um garçom. De fato, toda a comunicação, incluindo a fala, os sinais, os gestos e a escrita é mediada pelo sistema motor. Deste ponto de vista, o propósito do cérebro humano é um só: produzir movimento. ”
Daniel Wolpert
14 de maio de 2013, 20:30 horas, uma trombose acomete o hemisfério esquerdo do córtex cerebral de L.M.C., 58 anos, sexo masculino. Os movimentos coordenados do lado direito do corpo, assim como da face, estão perdidos. A fala resume-se a um rosnar sem sentido. Apenas os olhos ainda lutam para manter algum brio e assim expressar a angústia que brota diretamente da alma. Sob os evidentes sinais de “derrame”, a afecção ainda esconde algo mais profundo que escapa ao observador e ao observado.
Tanto o hemisfério esquerdo quanto o hemisfério direito do cérebro processam igualmente as informações recebidas, mas cada um à sua maneira. Enquanto o hemisfério direito pensa por imagens e aprende cinestesicamente através da relação do movimento do corpo com o meio, o esquerdo organiza as informações de modo metódico e categoricamente, contextualizando o momento presente e ponderando sobre as conseqüências futuras, desfazendo a névoa sobre a miríade de estímulos provenientes da experiência direta.
Kawaguchi, Shinnin (1736-1811)
O colapso no hemisfério esquerdo do cérebro faz emergir um mundo diferente. Um lugar onde o tempo e o espaço abandonaram seu papel regulador para ceder lugar ao limbo. Neste momento, recorrer à autoridade da forma e da estrutura pode submeter o caos à ordem e lançar luz sobre o tumulto.
Poucas coisas são tão despretensiosas quanto uma reta, uma esfera, um cubo. A clareza de suas formas traduz de tal maneira a complexidade dos conceitos que, sem hesitar, elegemos a simplicidade robusta da linha no lugar de sua expressão algébrica. Através da representação, o conceito é prontamente apreendido em sua estrutura.
De fato, as linhas a partir das quais o movimento se expressa nada têm de contínuas, não há vértice nos ângulos do corpo, não há um centro no meio da circunferência. Existe, sim, um instantâneo, uma resultante efêmera do tempo que se manifesta em carne e osso, expressão fugaz da resilência orgânica frente às adversidades do meio.
A simplicidade das formas, sua disponibilidade imediata, sua súbita apreensão pelos sentidos, entretanto, conecta vigorosamente o abstrato ao concreto e tem o poder de interferir decisivamente no curso da ação, estabilizando-a. Não se trata de mimetizar a forma com o corpo, mas recrutar instâncias intelectuais para mudar o trajeto do movimento, elucidando-o.
UK Iyengar Yoga Convention – Cambridge 2013
Instruções que suscitem imagens claras e objetivas ancoram o corpo a planos e linhas, tornando um movimento infinitamente complexo passivo de apreensão instantânea. Assim como o alinhamento postural concernente à prática de Yoga, a organização do corpo em torno de uma geometria orgânica lança luz sobre o ponto de partida de toda ação: o momento presente. Se não há consciência sobre o lugar que se ocupa no espaço, ainda que se vislumbre a linha de chegada, não é possível saber qual o caminho tomar.