Destrinchamos o corpo em pedaços para melhor apreendê-lo. Esta é nossa maneira de entender as coisas e a própria expressão de nossa natureza inquiridora. A tudo perscrutamos com régua e compasso a fim de nos aproximarmos da verdade. Enquanto o fragmento colhido não for reduzido, localizado e delimitado, enquanto não puder ser enredado em nossa teia de significações, não podemos sequer vislumbrá-lo. E assim, a golpes de facão, abrimos uma picada em direção à compreensão.
Desbastamos tudo o que encontramos pela frente para que possa caber em categorias, ser armazenado e, enfim, envolvido pelo entendimento. Avançamos trilha adentro, deixando para trás um caminho pilado, fácil de ser seguido. A cada passo, acomodamo-nos a tudo aquilo que nos contém e suporta.
“O ser humano só “se dá” ao ambiente na medida em que ele obriga o ambiente a “dar-se” a ele”.
Thommas Hanna
A fragmentação inerente ao método científico, analítico por natureza, é reflexo dessa nossa condição epistemológica. A pesquisa, enquanto processo, nada é além da efígie talhada a partir do modo pelo qual construímos conhecimento.
Não é difícil imaginar como, a partir do desenvolvimento das ciências, os meios de produção se apropriaram da prática científica.
“O homem na sala de planejamento, cuja a função é planejar, descobre invariavelmente que o trabalho pode ser feito de modo mais econômico se as tarefas forem subdividadas; cada ato de um mecânico, por exemplo, deve ser precedido por vários atos preparatórios realizados por outros homens”
Frederick W. Taylor
Ao ser cooptado pelos meios de produção, o corpo não é mais subdividido para fins de análise, mas por motivos econômicos. Em não raras vezes, a busca pela verdade sucumbe à busca pela eficiência. As descobertas passam a ter um fim em si mesmo; tornam-se trade marks e patentes. Órfã do contexto em que se originou e destituída de sua função elementar, a pesquisa apodrece no pé
A conseqüência mais funesta deste sistema é a completa desconexão entre o detalhe e o todo. Neste ambiente, toda busca se torna estéril e qualquer resultado inócuo. A redução do corpo a partes autônomas, estruturais ou fisiológicas, nada tem de natural e se presta apenas a retroalimentar o sistema que busca moldar, concertar ou aperfeiçoar o organismo, instalando o corpo no moto-contínuo vertiginoso dos resultados segmentados e imediatos.
“A natureza, quando deixada em paz, irá delicadamente recuperar-se da desordem em que se encontrava. É nossa ansiedade, nossa impaciência que estragam tudo, e quase todos os homens morrem de seus remédios, não de suas doenças.”
Moliére
O corpo não se relaciona com o ambiente de modo fragmentado e, portanto, não deve ser tratado como uma somatória de peças soltas. A unidade corpórea é radical e significa a própria vida entendida como tal. Não existe esquartejamento que não signifique desnaturação.