‘I walk alone’ de Gottfried Helnwein (2003)
Todos nós temos um potencial latente, não desenvolvido por completo, acumulado à custa do esgotamento de sistemas mais econômicos e confortáveis. De maneira congênita, apoiamos nosso desenvolvimento sobre estruturas mais convenientes, repetindo padrões de movimento à exaustão.
Com sulcos profundos cavados no caminho da ação, tendemos a incorrer na vala já aberta dos enganos, a despeito da riqueza de movimentos disponível. Nossa conduta motora está dominada por atividades reflexas inconscientes, reforçadas e consolidadas pelo tempo.
Protuberâncias e sulcos na cabeça do úmero evidenciam-se com o tempo em função das tensões exercidas pelos tendões que cruzam a articulação.
Muitas vezes, um movimento não é deturpado durante sua realização, mas em sua concepção. Por não participar de nossa narrativa motora, determinado movimento simplesmente não é concebido e, portanto, a chance de realizá-lo inexiste.
Assim, o desenvolvimento do potencial motor passa, necessariamente, pelo aumento de seu repertório.
Atividades físicas que exploram a riqueza e a diversidade de movimentos não são, em si, garantia de alteração na maneira como respondemos aos desafios propostos, tampouco de mudança nos padrões adquiridos. Sem a nossa intervenção deliberada, percorreremos sempre o mesmo atalho, ainda que de maneiras diferentes e de acordo com a natureza da atividade física proposta.
Trilhar um caminho realmente diferente e sem obstruções requer disciplina para abrir uma picada em meio a padrões consolidados e enfrentar percursos frequentemente mais longos e tortuosos.
Liberdade com disciplina é liberdade de fato. (BKS Iyengar).
O desenvolvimento motor inicia-se pela estabilização da cabeça, do tronco e, por último, dos membros, seguindo uma direção cervico-caudal. A aprendizagem de movimentos coordenados, entretanto, segue o caminho inverso, propagando-se das extremidades do corpo em direção à cabeça.
Desde nosso desenvolvimento embrionário, a posição da cabeça influi no movimento total do corpo. Virar a cabeça para o lado e olhar um objeto leva imediatamente o pescoço, os ombros e o tronco na mesma direção. Quando agarramos o objeto, são os dedos das mãos que irão recrutar cotovelos, ombros e tronco para movimentá-lo. O caminho de ida é diferente do caminho de volta.
Aos 6 meses de vida os movimentos descontrolados dão lugar a um controle progressivo da cabeça, dos membros e do tronco.
O movimento irradiado a partir das extremidades do corpo, onde estruturas delicadas contam com grande mobilidade e precisão, interfere na organização de estruturas mais fortes, responsáveis pela manutenção postural, por exemplo.
Ameya Gokhal 2008. BKS Iyengar ajustando praticante de yoga.
Dispositivos complexos como as mãos e os pés reorganizam o movimento global do corpo ao conectarem-se a unidades de transição como os ombros, quadris e escápulas, promovendo mudanças profundas na maneira como nos relacionamos com o espaço. A propagação de um movimento voluntário para outro não é causal e segue um padrão específico dos grupos musculares (Charles Sherrington).
A implicação das extremidades do corpo no aumento do repertório somático possibilita a aprendizagem de movimentos antes desconhecidos. Só então uma a atividade física que explore a riqueza de movimentos poderá promover a mudanças de fato.
Belíssimo texto… cheio de metáforas e analogias, que descrevem não apenas nosso repertório limitado de movimentos psicomotores, mas também a inércia que nos impede de trilhar novos rumos na vida. Adorei!
valeu.
É isso aí…sem comentários !
bjs.