“Apesar de nossa evolução como bípedes, continuamos sendo quadrúpedes em toda nossa estrutura, como demonstram nossos gestos. (…) Sofremos as seqüelas dessa evolução ainda incompleta” (Marcel Bienfait).
Uma base de apoio pequena, um centro de gravidade alto e uma cabeça grande. Esse animal desengonçado no qual nos tornamos levou milhões de anos para conseguir equilibrar-se satisfatoriamente sobre os pés.
Para vencer terrenos desfavoráveis e superar obstáculos, os pés desenvolveram uma estrutura singular, onde resistência e mobilidade coexistem. Quase 30 ossos amarrados por tecido conjuntivo adaptam-se aos mais diferentes solos, levando ao aparecimento de uma arquitetura efêmera, que ressurge a cada passo, determinada pelas forças que interagem com o chão.
Engessados dentro de calçados, em um mundo de vias planas e pavimentadas, os pés tiveram sua mobilidade e função morbidamente reduzidas, levando-os a deformidades muitas vezes incapacitantes. Calosidades e câimbras recorrentes são apenas a face mais exposta de desequilíbrios que muitas vezes irão acometer joelhos, quadris e coluna lombar.
De maneira geral, a estrutura dos pés pode ser representada por um triângulo formado pelos vértices do calcanhar, primeiro e quinto dedos do pé. Entre estes pontos, os arcos plantares dissipam e orientam a força-peso sofrida pelos pés em seu contato com o solo, devolvendo-a em forma de energia para a continuidade movimento. Ademais, a planta dos pés negocia continuamente com a superfície que toca, cedendo ou não às irregularidades do terreno.
Ilustração Kapandji
Quando impossibilitado de realizar suas funções plenamente, o pé irá delegá-las aos seus segmentos adjacentes, que raramente estão preparados para o desempenho de tais atribuições.
Assim, muitas vezes o tratamento para patologias que acometem a coluna, por exemplo, devem incluir em sua avaliação a saúde dos pés e tornozelos.
Independente da conduta adotada, não faz sentido realizar exercícios que buscam a melhora da base de apoio e o desenvolvimento do equilíbrio com os pés fechados dentro de tênis ou sobre superfícies planas e estáveis. Desta maneira, quando não se reforça o padrão existente, recrutam-se estruturas inteiramente diferentes daquelas pretendidas.
Exercícios que intercalam o apoio do calcanhar e dos dedos dos pés, que utilizam o apoio sobre um pé, ou exploram a instabilidade e irregularidade das superfícies, carregam o benefício de não apenas acordar estruturas adormecidas, como também estimular receptores nervosos de superfície e proprioceptivos.
Trestle U. Trikonasana. L. Steinberg. Destaque: Flexão tornozelo/ Eversão Pé.
Apenas quando dispomos de uma base firme, podemos colocar o resto da casa em ordem, afinal não é possível construir algo duradouro sobre uma fundação débil.