O Nome da Dor

De repente as posturas mais simples ficaram difíceis e seus músculos parecem discordar de você o tempo todo. Quem está começando a praticar Yoga ou quem tirou apenas alguns dias de folga durante as férias parece ter uma tarefa colossal à frente: encarar a dor.

Após algum tempo sem praticar Yoga, experimentamos dor e rigidez nas articulações e nos músculos exercitados. Atividades físicas incomuns ou atividades que não estamos acostumados causam dor nos músculos, mas o que seria esta dor e porque ela acontece?

A dor é uma proteção frente a possibilidade de uma lesão ou após a lesão já ter acontecido. Resumidamente, a dor estimula sua própria remoção. Ela pensa o tempo todo em como livrar-se de si mesma.

O caráter pessoal da dor e a habilidade para tolerá-la é algo muito subjetivo e, conseqüentemente, difícil de definir. Um pianista habilidoso, por exemplo, pode martelar as teclas de um piano por horas a fio, com seus braços dobrados e invertidos sem o menor sinal de desgaste, enquanto outras pessoas pediriam água em bem menos tempo.

Em suas “Investigações Filosóficas” o filósofo Ludwig Wittgenstein usa a “dor” para exemplificar o caráter público do entendimento e do significado. Para ele, a dor só pode ser conhecida a partir da introspecção. Não sabemos o que a dor significa para outras pessoas. Não é prudente acharmos que estamos falando sobre a mesma coisa. De alguma forma, entretanto, para poder comunicar o sentimento de dor ela deve fazer parte do jogo da linguagem pública.

A dificuldade em denominar a dor com precisão justifica a profusão de exames diagnósticos e métodos de avaliação à margem de nossos “ai ai” e “ui ui”. A partir de alguns exames é possível traçar um raio-x até de nosso caráter, obtendo aspectos emocionais e psíquicos que influem em nosso comportamento e personalidade. Um pequeno esforço para fechar o foco sobre esse assunto é categorizar as dores mais comuns decorrentes da prática de Yoga em virtude do tempo de seu aparecimento.

Uma dor temporária (dor aguda) pode persistir por várias horas imediatamente após um exercício extraordinário, enquanto uma dor residual (dor crônica), ou dor muscular de início tardio (DMIT) pode aparecer a seguir e durar por 2 a 4 dias.

Dor durante os exercícios (Dor Aguda)

Este tipo de dor muscular aguda que, como o nome indica, ocorre durante e imediatamente após o período de exercício, é considerado como associado à falta de um fluxo sanguíneo suficiente (isquemia) para os músculos ativos.

A dor muscular aguda ocorre quando a tensão gerada no músculo é suficientemente intensa para gerar oclusão do fluxo sanguíneo para os músculos ativos (isquemia). Por causa da isquemia, os produtos da atividade metabólica, tipo ácido lático e potássio, não podem ser removidos e, dessa forma, acumulam-se até o ponto de estimularem os receptores dolorosos localizados nos músculos. Essa dor persiste até que seja reduzida a intensidade da contração ou que esta cesse totalmente restaurando o fluxo sanguíneo e fazendo com que os produtos metabólicos de desgaste possam ser removidos.

A queimação percebida durante a execução do exercício é relacionada à falta de oxigênio e conseqüente queda de pH, pois o acúmulo de íons de hidrogênio provoca acidose e estimula os receptores de dor, os quais sinalizam para a interrupção do exercício antes que ocorram lesões no tecido muscular. Mas este mecanismo é transitório pois a acidose é rapidamente revertida por um sistema de tamponamento que trabalha para manter o pH dentro dos limites fisiológicos.

A dor aguda, embora possa importunar, não constitui um grande problema, pois é de curta duração e desaparece quando se suspende o exercício. O problema mais sério é a dor muscular de início tardio (DMIT), que é a dor e mialgia que ocorrem num período de 24 a 48 horas após o término das sessões de exercícios, podendo ser estender por ainda mais tempo.

Dor muscular tardia (Dor Crônica)

A Dor Muscular Tardia (DMIT) está relacionada ao processo inflamatório caracterizado por micro-lesões do tecido muscular. Diversos fatores envolvidos no processo inflamatório estimulam os receptores de dor, provocando o incômodo verificado em decorrência das lesões, o que ainda poderá ser percebido nos dias seguintes. Deste modo vemos que a dor pode ser iniciada pela lesão, mas sua causa são os mecanismos inflamatórios; desta forma não há relação direta entre a sensação de dor e os danos teciduais.

Para o fisiologista Turíbio Leite, a dor do dia seguinte tem seu aspecto positivo – desde, é claro, que seja um quadro moderado de dor. A explicação: no processo de regeneração das microlesões, o músculo vai se remodelando como forma de se adaptar ao exercício, o que resulta em fortalecimento.

Sentir uma “dor gostosa” após o exercício é sinal de que seu corpo está reagindo e buscando melhorar sua performance. Mas diante de um quadro de dor mais forte ou prolongada, é recomendável reduzir a intensidade da prática para evitar uma lesão mais grave e procurar um especialista. Afinal, o que você quer é continuar se exercitando, não?

Dor na cabeça, no pescoço e fibras superiores do trapézio.

Muitas pessoas começam a praticar Yoga devido aos benefícios de sua prática no combate ao stress. Dores na cabeça, no pescoço e nas fibras superiores do trapézio são bastante comuns entre os iniciantes que costumam trazê-las para dentro da sala de aula. Sejam quais forem os motivos destas dores, uma coisa é certa, a dor é muito incômoda, pois trava o pescoço, deixa a região toda dolorida, gera dor de cabeça e nos dá a impressão que estamos carregando alguém sentado nos nossos ombros.

Cefaléia resultante de espasmo muscular: a tensão emocional causa muitas vezes o espasmo de vários músculos da cabeça, incluindo, principalmente, os músculos fixados ao couro cabeludo e os músculos do pescoço, com pontos de inserção occiptal (base do crânio), e acredita-se que essa seja uma das causas mais comuns de cefaléia. A dor do espasmo dos músculos da cabeça é supostamente referida às áreas sobrejacentes da cabeça e produz o mesmo tipo de cefaléia que as lesões intracranianas.

Como podemos prevenir a dor

No que diz respeito ao Yoga, o alongamento presente nos ásanas (posturas) tem forte peso profilático quando associado à prática muscular intensa, que também é do Yoga. O alongamento, a gradatividade nos exercícios físicos e a consciência corporal ajudam a blindar nosso corpo contra as dores, mas não o isenta.

O alongamento muscular deve ser realizado sem violência ou solavanco, pois isso poderia lesar ainda mais os tecidos conjuntivos. A montagem dos ásanas é progressivo e gradual na intensidade reduzindo a possibilidade de dor muscular excessiva, pois prepara o corpo para o passo seguinte.

A consciência corporal, por fim, é fundamental para mitigar a dor. Com já dissemos, a dor só pode ser conhecida a partir da introspecção e apreendida pela linguagem. Entretanto, se a mente não é íntima do corpo, não há inteligência que baste para ligar informação à dor, não há paz, aprendizagem, não há caminho visível para erradicação da dor.

Como a vida, “a prática [ de Yoga] não se limita a sensações prazerosas. Trata-se de percepção e a percepção nos leva a distinguir e entender a ambos, prazer e dor.” (B.K.S Iyengar). Na postura correta, não há dor, mas para chegarmos à postura correta precisamos enfrentar a dor. Neste ínterim, realizar ásanas com facilidade, sem nenhum esforço real, leva o praticante a viver dentro dos limites da mente. Não existe crescimento pessoal.

É imprescindível ter a dor como aliada; um termômetro que nos avisa da proximidade de nossos limites. A dor está ali para nos ensinar, porque a vida é repleta de dor. E a não ser que você viva em um mundo tão leviano quanto superficial, a dor deve estar tão presente em seu cotidiano quanto o prazer e deve ser encarada de modo apropriado. Afinal, “Quem quer passar além do Bojador/ Tem que passar além da dor” (Fernando Pessoa).

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