Espelhos de Bergman
Um paciente com AVC luta para abrir uma porta. Um amputado está frustrado com os movimentos erráticos de seu novo membro protético. Um jovem saudável está desapontado com a aparência de seu corpo no espelho. Grande parte das dificuldades enfrentadas na interação com o ambiente relacionam-se à falta de sintonia entre nosso corpo e a imagem que temos dele.
Quase todo texto sobre percepção listará a visão, audição, tato, paladar e olfato como os nossos cinco sentidos, o que não está certo. Esses sentidos não são suficientes sequer para guiar tarefas tão simples quanto alcançar e agarrar um objeto. Antes de tudo, precisamos ter disponível um mapa de nós mesmos. Podemos imaginar como seria difícil dirigir pelas ruas de uma cidade que desconhecemos sem um mapa? Ter um mapa de nós mesmos no cérebro é fundamental para que você possa chegar onde quer ir. Então, para fazer movimentos precisos, integramos a entrada sensorial com os mapas disponíveis de nosso corpo.
Estes mapas foram identificados pela primeira vez no córtex somatossensorial primário – região do cérebro que recebe e interpreta os impulsos sensoriais vindos do corpo. Curiosamente, o mapa disponível de nosso corpo é distorcido se comparado ao corpo em si, assim como um atlas representa uma visão desproporcional do mundo. Nós normalmente não experimentamos o corpo como distorcido, mesmo que esses mapas cerebrais sejam desproporcionais. Portanto, existem outros processos que corrigem essa falta de acuidade.
homúnculo de Penfield
Essa distorção é corrigida usando uma ilusão. Entendemos aqui ilusão como uma discrepância entre o estímulo físico e a percepção. No espaço entre estímulo físico e percepção, o cérebro faz continuamente suposições sobre o incerto e o provável. O cérebro supõe, por exemplo, que dois toques próximos na pele, ao mesmo tempo, originam-se de um único objeto.
Sabemos que tais mapas podem mudar – como eles se adaptam às mudanças na forma do nosso corpo à medida que crescemos. Se esses mapas não fossem atualizados, estaríamos sempre a esbarrar nossos braços em batentes de portas ou a cair de escadas ao dar passos maiores que os necessários.
Não há limite de idade para atualização desses mapas e se a ilusão é usada para consolidar a imagem que temos de nós mesmos, ela também é capaz de acelerar e otimizar o remapeamento.
Na prática de Yoga, Pilates, Dança ou qualquer outra atividade física em que a consciência corporal prevaleça sobre o desempenho corporal, a representação e o figurativo facilitam esse remapeamento. Linhas no espaço, ângulos nas articulações e círculos perfeitos com braços e pernas são prontamente apreendidos em sua estrutura.
Já dissemos por aqui: “De fato, as linhas a partir das quais o movimento se expressa nada têm de contínuas, não há vértice nos ângulos do corpo, não há um centro na circunferência. A simplicidade das formas, sua disponibilidade imediata, sua súbita apreensão pelos sentidos conecta vigorosamente o abstrato ao concreto e tem o poder de interferir decisivamente no curso da ação, estabilizando-a. Não se trata de mimetizar a forma com o corpo, mas recrutar instâncias intelectuais para mudar o trajeto do movimento ao elucidá-lo.”