Qual é a diferença entre um guru e um especialista? As pessoas ouvem e respeitam a opinião de especialistas, aceitam seus conselhos e seguem suas orientações, mas acreditam nos gurus. O problema surge quando, mesmo sabendo tratar-se de níveis diferentes de conhecimento, as pessoas recorrem tanto a especialistas quanto a gurus para obter soluções para os mesmos problemas.
A experiência extraída da vida, um sincero desejo de ajudar os outros e um certo desprezo pelas informações que conflitam com suas convicções, conferem ao guru uma aura de credibilidade e conforto não encontrada em especialistas.
O especialista tem o dever de avisar o quanto ele mesmo não sabe, o que falta conhecer e, quando indagado sobre como aplicar seus conhecimentos para resolver um problema, lança mão de um sonoro “depende” ou ainda “ninguém realmente sabe”.
Infelizmente, gurus e especialistas se confundem no campo da saúde. Verdadeiros especialistas costumam apontar para lacunas em sua compreensão, relatar a complexidade do assunto ou falar sobre a existência de teorias concorrentes e evidências conflitantes. A cura só está pronta e acessível na boca do guru.
Esse quadro reflete o momento atual sobre os estudos no campo da dor crônica. Se a ciência avança a passos largos sobre diversas áreas da saúde humana, a dor crônica não é uma delas. Logo, se alguém afirma ser um especialista sobre esse assunto, trata-se na realidade de um guru.
Por exemplo, gurus do movimento ou terapia manual muitas vezes falam sobre a dor crônica como um problema que pode ser facilmente resolvido seguindo uma determinada receita ou modelo, ou aplicando uma série de exercícios e movimentos.
Dor nas costas? Um guru da correção postural dirá que sua verdadeira causa é a lordose excessiva da lombar. O guru massagista vai atribuir às adesões fasciais e pontos-gatilho a origem de toda a dor. O guru quiroprata irá apontar quais vértebras estão “fora do lugar” e o guru osteopata irá mostrar que a “pelve está girada” para este ou aquele lado. E todos podem fazer prescrições igualmente confiantes para dor no ombro, dor no pé, dor no joelho, etc.
De mesmo modo, opiniões do tipo “Pilates resolve isso” ou “Yoga é bom para aquilo” devem ser vistas com muita desconfiança, especialmente quando se sabe que no campo de estudos da dor crônica não existem soluções “one size fits all”.
Os benefícios de práticas nascidas da experiência e consolidadas pela história devem ser respeitados. Muitas vezes, a esperança de cura para alguém que sofre de dor crônica faz parte da própria cura, entretanto a distinção entre os limites da crença e da crença justificada baseada em evidências deve estar clara desde o início de qualquer processo.