O Corpo Manda no Jogo: Cérebro, Mente e Corpo na Cura do Trauma.

the body keeps the score

“Alguns porcos-espinhos no duro e gélido inverno decidiram se aproximar um do outro com o intuito de amenizar o incômodo causado pelo frio. Acontece que durante essa aproximação eles acabavam por se ferir com os espinhos alheios o que os obrigava a se afastarem provocando-lhes novamente frio por estarem distantes um do outro.”

O Dilema do porco-espinho, Arthur Schopenhauer

Em grande medida, somos um produto de nossa própria história e nela nos baseamos para tomar as decisões mais simples de nosso dia-a-dia. As experiências vividas são também a matéria-prima para as grandes decisões a respeito de nosso futuro.  O  trauma é uma ruptura na construção desta narrativa histórica.  Ao impedir o encadeamento satisfatório de eventos, o trauma impede o encontro de respostas para questões simples, bloqueia saídas, cercea a liberdade e, por fim, torna a vida desprovida de significado.

No livro “The Body Keeps the Score: Brain, Mind, and Body in the Healing of Trauma”, o psiquiatra holandês Bessel Van Der Kolk explora a profunda desconexão entre corpo, mente e cérebro presente em pessoas com histórico de trauma ou negligência.

“Ninguém precisa ser um ex-combatente, ou visitar um campo de refugiados na Síria ou Congo para encontrar o trauma. O trauma acontece conosco, com nossos amigos, com nossas famílias e vizinhos. Pesquisas do Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos EUA (CDC) relatam que uma a cada cinco crianças nos EUA foi sexualmente molestada; uma a cada quatro apanhou de um parente a ponto de deixar marcas em seu corpo. Um quarto dos habitantes cresce com parentes alcoólatras. Um em oito já assistiu suas próprias mães apanhando do companheiro.” (…) “Isso consome uma quantidade de energia enorme, ao mesmo tempo em que carrega a memória do terror, a vergonha da fraqueza e da vulnerabilidade”.

Van Der Kolk nota que os sobreviventes de trauma apresentam uma resposta exagerada a qualquer sinal de perigo, acompanhada por alterações metabólicas causadas pelo estresse. Esta reação pós-traumática torna o convívio social muito difícil e o indivíduo tende a isolar-se.

 “O corpo paga a conta: se a memória do trauma está presente nas vísceras, nas batidas do coração, nos desequilíbrios auto-imunes ou lesões músculo-esqueléticos é preciso uma mudança radical em nossas propostas terapêuticas.”

A dissociação entre mente e corpo é uma resposta adaptativa ao trauma. Pessoas traumatizadas sentem-se inseguras em seus próprios corpos. O passado está vivo e o corpo é constantemente bombardeado por sinais de perigo. Com o objetivo de controlar estes alertas, essas pessoas tornam-se habilidosas em ignorar os sinais do corpo.  “Escondem-se de si mesmas”, diz o médico.

Art by Oliver Jeffers from The Heart and the Bottle

 O coração e a garrafa de Oliver Jeffers

Um dos efeitos mais perniciosos do trauma é o bloqueio da tomada de consciência sobre os sentimentos, levando a uma relação antagônica com si mesmo.

“Quanto mais apurada é nossa consciência sobre os sentidos, maior nosso potencial de controle. Conhecer o que sentimos é o primeiro passo para entender porque nos sentidos da maneira como nos sentimos. Se temos consciência sobre as mudanças constantes em nosso ambiente interno e externo, podemos mobilizá-lo.”

O principal tratamento para o trauma, conforme Van Der Kolk afirma, é voltar a habitar a si mesmo em todas as dimensões – não apenas emocional ou psicológica, mas corpórea.

“O mamífero sempre busca um protetor. Para estar próximo a outro animal, seu sistema defensivo precisa ser temporariamente desligado. Os humanos vítimas de trauma encontram-se em permanente estado de vigilância e não conseguem usufruir da segurança proporcionada pelo outro.”

Simona Ciraolo from Hug Me

Hug Me de Simona Ciraolo

A maneira natural que o ser humano encontra para se consolar é através do apoio de alguém. Isso significa que pacientes que sofreram violência física ou sexual enfrentam um dilema. Eles procuram a segurança proporcionada pela intimidade, ao mesmo tempo em que se sentem aterrorizados pela proximidade do outro.

Neste caso, a mente precisa ser reeducada a aceitar as sensações físicas e o corpo precisa ser ajudado a tolerar e a gostar do conforto do toque.  Assim que os indivíduos recobram a consciência do corpo, tornam-se capazes de aprimorar a consciência emocional e lentamente reconectam-se ao seu corpo.

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Restaurando o Corpo: Yoga, EMDR e o Tratamento do Trauma. Entrevista de Bessel Van Der Kolk no Sound Cloud.

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