ELIADE, M.

Mircea Eliade (1907-1986)

Mircea Eliade (1907-1986)

“(…) importa é que os āsana (posturas de Yoga) dão uma firme estabilidade ao corpo e ao mesmo tempo reduzem o esforço físico ao mínimo. Evita-se assim a sensação enervante de fadiga, de irritação de certas partes do corpo, regula-se os processos fisiológicos e permite-se, desse modo, que a atenção se ocupe exclusivamente da parte fluida da consciência. No começo, as posturas são incômodas e mesmo insuportáveis. Mas, após certo treino, o esforço de manter o corpo na mesma posição torna-se mínimo. Isto é de importância capital; o esforço deve desaparecer, a posição meditativa deve tornar-se natural, só então ela propicia a concentração. “A postura torna-se perfeita quando o esforço para realizá-la desaparece, de forma que não haja mais movimento no corpo. Assim sua perfeição se cumpre quando a mente se transforma em infinito (anantasamāpathibhiyām), isto é, quando ela faz da idéia do infinito seu próprio conteúdo. ”(Vyāsa comentando o Yoga-sūtra, II.47). Vācaspati Misrā , comentando a interpretação de Vyāsa, escreve: “Aquele que praticar o āsana deverá valer-se de um esforço que consiste em suprimir os esforços corporais naturais. De outra forma, a postura ascética da qual falamos não poderá ser realizada”. No que se refere à “mente transformada em infinito”, significa a supressão total da atenção à presença do próprio corpo.

Ilustração antiga. Posturas de Yoga

Ilustração ancestral de āsana. Índia.

(…) A finalidade dessas posturas meditativas é sempre a mesma: “A cessação absoluta da perturbação dos contrários” (dvandvāna-bhighātah; Yoga-sūtra, II.48). Alcança-se então certa “neutralidade” dos sentidos; a consciência não é mais perturbada pela “presença do corpo”, conquistando-se a primeira etapa em direção ao isolamento da consciência e interceptando as pontes que permitem a comunicação com a atividade sensorial.

O āsana marca com nitidez a transcendência da condição humana. Se essa “parada”, essa invulnerabilidade em relação aos contrários, ao mundo exterior, representa uma regressão (…) o āsana é o primeiro passo concreto tendo em vista abolir as modalidades humanas de existência. O certo é que a postura corporal – imóvel, hierática – imita outra condição além da humana: no estado de āsana, o yogin pode ser comparado a uma planta ou estátua divina; não poderia ser equiparado ao homem que, por definição, é móvel, agitado, arrítmico. A nível do corpo, o āsana é uma ekāgrāta, uma concentração em um só ponto; o corpo está “firmado”, “concentrado” em uma única posição. Assim ekāgrāta põe fim às flutuações e à dispersão dos “estados de consciência”,  āsana põe fim à mobilidade e à disponibilidade do corpo, reduzindo a infinidade das posições possíveis a uma só postura, arquetípica, iconográfica.”

ELIADE, M. (1972) YOGA IMORTALIDADE E LIBERDADE. Trad. Teresa de Barros Velloso. Trans. Lia Diskin. São Paulo: Editora Palas Athena, 1997. 398p.

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