Natal em Auschwitz

A não ser por uma fina camada de pele que nos dá forma no espaço, somos rigorosamente iguais, não importa de onde viemos ou o que fazemos. Logo abaixo da pele, a maneira como se constituem tecidos e fluídos do corpo é rigorosamente a mesma em todos nós. Tamanha é a semelhança que podemos inferir com tranqüilidade o conhecimento extraído de um único corpo, dissecado sobre a mesa fria de inox, para toda a humanidade estendida sobre a face da Terra. Uma camada de células epiteliais apenas dá forma ao que chamamos de “eu” e por derivação imprópria, distingue-nos do “outro”. Tomar a forma pelo conteúdo e imaginar-se especial dentre seus pares é parte de um equívoco congênito, condição da qual um deve procurar libertar-se.

Trata-se sempre da mesma coluna axial que abriga um sistema nervoso e sustenta uma estrutura radial, as costelas, onde se prendem as diversas unidades de manutenção da vida. Somos nós peixes, anfíbios, répteis, pássaros e mamíferos, estruturalmente iguais e com algumas adaptações arquitetônicas para atender às exigências do habitat onde vivemos. Cada qual mestre em sua ordem e plenamente consciente de seu meio, compartilhamos todos o mesmo anseio pela vida e igual imperativo de liberdade, sem a qual a vida não se realiza.

evolution

Les stades du developpment de l’embryon, illus. J. Alessandrini

São sempre os mesmos átomos, organizados e reorganizados ao fim de cada momento, de cada ciclo, da vida. Somos nós minério. Não há necessidade de mística superior que exemplifique aquilo que a tabela periódica esgota. É preciso, sim, muita honestidade para tirar os olhos do céu e encontrar sob nossos pés o mesmo carbono, nitrogênio, enxofre, fósforo, oxigênio e hidrogênio que nos constitui. Compreender, de uma vez por todas, que somos iguais e participamos do mesmo conjunto de elementos é a epifania possível – e não é pouco-, tudo o mais é ilusão, é ‘maya’.

A fixação privilegiada no próprio “eu”, das representações e dos sentimentos pessoais a ponto de perder, em maior ou menor grau, a relação com o mundo exterior explica a apatia frente à dor alheia, o autismo de quem encontra na auto-satisfação o motivo para viver, a estupidez diante do colapso da vida.

“(…) no seu comportamento em relação aos animais todos os homens são nazistas. A presunção de que o homem pode fazer com outras espécies o que delas quiser exemplifica as teorias racistas mais extremistas”. Isaac Bashevis Singer

A indiferença perante a vivisseção animal para consumo (*) torna o homem insensível em absoluto e não há porque cobrar-lhe compaixão. A miopia diante da barbárie torna o homem completamente cego e não há porque exigir-lhe discernimento. A violência incapacita o homem para viver em harmonia com o meio, extirpa-lhe a humanidade e o torna órfão do mundo em que vive. Afasta-o do Yoga no sentido mais amplo do termo.

O Natal é a época do ano em que mais se mata animais. Comemorar a vida, o nascimento, com a morte é o auge da ignomínia humana.

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