A mão da Sra. Wilhem Roentgen: a primeira imagem de raio-X. 1895.
“E Hans Castorp viu o que devia ter esperado, mas que, em realidade, não cabe ver ao homem, e que jamais teria crido poder ver: lançou um olhar para dentro do seu próprio túmulo. Viu, antecipado pela força dos raios, o futuro trabalho da decomposição; viu a carne em que vivia, solubilizada, aniquilada, reduzida a uma névoa inconsistente, no meio da qual se destacava o esqueleto minuciosamente plasmado da sua mão direita, e em torno da primeira falange do dedo anular pairava, preto e frouxo, o anel que o avô lhe legara, um objeto duro desta terra, com o qual os homens adornam o seu corpo destinado a desfazer-se por baixo dele, para que fique novamente livre e se possa enfiar em outra mão que o use durante algum tempo.” Thomas Mann. A Montanha Mágica.
Existe um movimento fundamental, que subsiste alheio à nossa vontade, biotipo ou condição física. Algo rude, construído pelas interações da carne com os ossos, descrito mecanicamente pelas alavancas que atuam soberanas e independentes do sistema nervoso. Algo essencial, que se mantém livre de qualquer influência psicológica, cultural ou histórica, identificando-nos enquanto espécie.
Desenho de William Cheselden (1688 -1752)
Desenhado nas superfícies articulares há um movimento puro, destituído de qualquer ruído; um gesto imaculado pronto para realizar sua existência no espaço. Despojado de qualquer perturbação, este movimento guarda as circunstâncias primeiras que irão determinar nossa percepção e conseqüente compreensão de mundo.
Henry Gray. Anatomy of the Human Body. 1918.
É a partir de nossa intervenção no espaço que a experiência perceptiva ganha vida e o mundo se torna inteligível. “O corpo é, em primeiro lugar, o meio de toda percepção” (Husserl) e irá fornecer a matéria-prima para o desenvolvimento da consciência.
“Percepção não é algo que nos acontece, mas algo que fazemos. O mundo está disponível através do movimento e da interação. A experiência da percepção adquire conteúdo graças à posse de habilidades corporais. O que percebemos está determinado pelo que fazemos, ou o pelo que sabemos como fazer.” Alva Noé
T2W/3D-FFE, Matrix 240, TR/TE 30/14 ms.
Destrinchar os vetores espaciais que trespassam a carne do corpo, despindo o movimento de seu conteúdo pessoal e social, revela a condição primeira do ser humano: aquela que determina a maneira como percebemos o mundo tal como o conhecemos.
Ralph Hutchings, Visuals Unlimited/Science Photo Library
Olhar para dentro significa, portanto, olhar para fora. Identificar as estruturas que determinam a maneira como percebemos e entendemos o mundo é, portanto, reconhecer os limites a priori de toda nossa experiência: a maior liberdade que podemos almejar enquanto seres humanos.
A criação de Adão (detalhe). Michelangelo. 1508-1512.
“Emancipação, liberdade, felicidade pura e imaculada esperam por você, mas você deve escolher embarcar em uma viagem interior para descobrir isso tudo.” B.K.S. Iyengar