A Gravidade da Alma

Não há espaço vago dentro do corpo e mudanças em sua superfície, até mesmo as mais sutis, levam a uma reorganização de tudo aquilo que se abriga sob a pele, nos mais diversos níveis. Do deslocamento de algumas camadas de células epidérmicas a alterações no espaço ocupado por um órgão, somos bastante sensíveis às forças que incidem sobre nós. A partir dos estímulos que recebemos da vida, começamos a esboçar o espaço que ocupamos no mundo.

A pele delimita uma área no espaço que chamamos de “eu” e estabelece um diálogo privilegiado com a vida fora do corpo. Essa conexão entre o lado de dentro e o de fora determina a maneira como nos inserimos e participamos do mundo. Retiramos assim da realidade externa a matéria-prima que nos dará forma e conteúdo.

Tocamos com as mãos um objeto qualquer e passamos imediatamente a obter informações sobre a temperatura, a textura e a localização do objeto em relação a nós. A pressão dos dedos sobre a superfície leva a alterações na pele que estimulam terminações nervosas a nos prestar informações sobre nossa força, nossa capacidade de mover ou parar objetos, nossa capacidade de exercer influência e sermos influenciados pelo mundo externo. Tateando, sentimos se nossas interações são amistosas ou não e, aos poucos, construímos nossa identidade, descobrimos nossos limites e estabelecemos nossos papéis sociais.

A partir das forças que incidem sobre nosso corpo, e que têm na gravidade seu principal vetor, nossos músculos e ossos abrem espaço e arquitetam este abrigo, o corpo.

No decorrer desta construção, a excessiva rigidez do corpo surge como resposta instintiva às agressões do meio. Acuado, um animal rapidamente mobiliza a musculatura estriada (voluntária) para se defender ou atacar. Com o tempo, tornamo-nos tão hábeis em tonificar, enrijecer, fortalecer e compactar que a simples menção ao relaxamento nos traz ansiedade. Em permanente estado de vigília, não conseguimos mais descansar. Sentimos o medo da entrega.

Do outro lado deste espectro, a indolência abate-se sobre o corpo fraco, levado à exaustão pelo excesso de estímulos ou pela carência de respostas do meio. Com todas as necessidades satisfeitas, hibernamos apáticos. Na ausência de respostas às nossas questões, desistimos de perguntar. Na falta ou na fartura, enraízam-se o desânimo apriori, a ociosidade, a desistência premeditada, a inação e, por fim, a pulsão por solidão como forma de assegurar um espaço mínimo à existência do corpo.

Assim, conquistar o espaço do corpo significa tomar consciência das forças que determinam nossa natureza e das respostas que oferecemos ao mundo de modo a nos mantermos afastados de uma vida mórbida e alienada.

A rigidez garante a sustentação do corpo, como eixo capaz de possibilitar ao nosso organismo existir. A flexibilidade estrutural permite o movimento na busca pela sobrevivência. É o equilíbrio entre força e flexibilidade que tornará possível uma vida saudável e consciente.

As forças que resistem às pressões externas não devem impor limites à expressão do corpo, mas prover sustentação e equilíbrio para uma manifestação plena e livre de condicionamentos. Ceder, por sua vez, não significa abrir mão do próprio espaço, mas outorgar ao outro o nosso reconhecimento a seu direito de existência contígua, no mesmo plano em que se encontram todos e tudo aquilo que podemos tatear com nossos sentidos.

Em equilíbrio as forças se anulam e no lugar onde havia oscilações e desvios, passa a vigorar a estabilidade. Só então podemos observar com discernimento e liberdade, o movimento da vida .

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