Deitados de costas no chão, percebemos algo de estranho: o lado direito de nosso corpo não toca o solo com a mesma intensidade que o esquerdo. Relaxe as pernas! Olhamos para nossos pés e verificamos que enquanto um aponta para a parede o outro mira o teto. Solte os ombros… São dois, mas ao passo que um descansa no mat, o outro flutua em algum lugar entre a Terra e a Lua. Deitados, sentimos os pontos em que nossas costas tocam o chão e percebemos nas curvas de nossa coluna como nosso corpo se organiza para vencer a força da gravidade e cobrir o espaço e o tempo ao nosso redor.
Podemos não identificar nossa própria voz gravada na secretária eletrônica ou nos espantar com as rugas em nosso rosto em uma foto recente. Da mesma forma podemos ser surpreendidos pelas assimetrias em nosso corpo evidenciadas em uma postura de Yoga. Na frente do espelho buscamos casar a maneira como nos enxergamos com aquilo que somos na prática.
Para localizar-se no espaço e no tempo, o corpo processa uma miríade de impulsos nervosos procedentes da pele, da retina, do sistema vestibular (ouvido) e constrói uma imagem nem sempre fiel à realidade. Isso porque o cérebro interpreta toda essa informação de maneira genética, social e cultural, filtrando o modo como nos percebemos, criando padrões de movimento e hábitos tão singulares quanto nosso DNA, distanciando-nos do jeito mais trivial e, por vezes, natural de nos portarmos. Esses ruídos sociais e culturais associados às nossas características genéticas podem resultar em desequilíbrios e vícios que frequentemente traduzem-se em prejuízos à saúde.
Para inibir os impulsos que nos levam a agir de maneira equivocada é preciso abrir uma trincheira entre os estímulos que recebemos e as respostas que damos a estes estímulos e aprender a planar imóvel no espaço entre a ação e a reação.
Uma ação repetitiva torna-se rapidamente automática e inconsciente, liberando as regiões cognitivas superiores para questões mais “nobres”. Um jogador de basquete experiente, por exemplo, não pensa em bater a bola na quadra enquanto corre em direção à cesta. Para este jogador, a ação de conduzir a bola é natural, adquirida e aperfeiçoada em anos de treino. Sua cabeça está na estratégia do jogo, em seu posicionamento em quadra, em aspectos do jogo impensáveis para um iniciante que ainda luta para dominar a bola enquanto a faz quicar no chão.
Da mesma maneira, automatizamos padrões comportamentais e posturais em nosso cotidiano e liberamos as zonas cerebrais frontais para ações que dependem de avaliação consciente e que exigem planejamento. É assim, porém, que também infundimos e perpetuamos desequilíbrios diversos em nosso corpo e em nossas vidas.
Quando esses desequilíbrios tomam vulto, somos obrigados a revisitar antigos hábitos e recobrar a consciência sobre cada um dos passos que nos levaram a chegar onde estamos. Ou seja, é preciso andar para trás para voltar a andar para frente.
Ao observar nosso próprio corpo em posturas de Yoga – ásanas-, colocamos nossa consciência em cada segmento do corpo e observamos como reagimos aos diversos estímulos a que somos submetidos durante os exercícios. Redefinir e reorganizar velhos modelos para iniciar uma mudança não é fácil, pois somos incitados a retroceder no tempo para nos desvencilhar de antigos padrões. Neste sentido pode ser elucidativo encarar o Yoga como uma prática de “descondicionamento físico”, não na acepção cardio-vascular, obviamente, mas em sua abordagem neuro-muscular.
Ao permanecer no ásana, concentrados no corpo, inibindo um sem fim de estímulos que nos incitam a desistir, rejeitar, mudar ou ceder, exercitamos nosso poder de observação e nos colocamos no caminho entre a ação e a reação. Aprendemos a ganhar tempo antes de incorrer no equívoco costumeiro. Com tempo e disciplina tomamos consciência de nossos impulsos e passamos a determinar o curso dos eventos, suprimindo qualquer interferência irrefletida sobre nossas vidas.