Amarelinha Digital

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Ilustração Pawel Kuczynski

O uso extensivo de tecnologia digital reserva pouco tempo para a interação do corpo com o ambiente. Neste mundo, o celular surge como um apêndice do corpo, capaz de nos transportar pelo tempo e espaço com relativa facilidade. Em uma sociedade baseada na troca de informações, o uso destas tecnologias é inseparável de nosso dia-a-dia. Se, por um lado, os dispositivos móveis tornaram-se extensões do corpo, em que medida nosso corpo não estaria se tornado extensão destas mesmas tecnologias digitais e o suporte para sua materialidade?

No fogo-cruzado entre novas tecnologias ‘versus’ saúde encontram-se os usuários cujo o corpo ainda está em formação e correm o risco de sofrer por mais tempo eventuais disfunções decorrentes do uso dos dispositivos móveis: as crianças.

A crescente preocupação com o tempo dedicado a celulares, tabletes e games criou uma nova unidade de medida: o Tempo de Tela Digital, ou TTD. Fácil de medir, o TTD representa o tempo gasto por um indivíduo, durante um dia, em frente a uma tela digital. Porém, a velocidade com que as transformações acontecem nos meios digitais nos impede de observar em perspectiva os possíveis impactos do TTD na saúde da população em geral e, assim, avaliar até que ponto nosso corpo está disposto a tolerar seu uso.

Está claro que o TTD está relacionado ao aumento da obesidade infantil, à diminuição de horas de sono e redução no nível de interação social por crianças e adolescentes. Ao mesmo tempo, tornou-se virtualmente impossível limitar o uso de celulares e tablets, uma vez que os mesmos dispositivos dedicados a entretenimento servem também de suporte para conteúdos educacionais e comunicação.

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Pawel Kuczynski

Interesses conflitantes acabam por gerar recomendações conflitantes. De um lado, o uso expandido da tecnologia digital é indicado para aprimorar o aprendizado e desenvolver um conjunto de habilidades digitais nas crianças com vistas a facilitar sua inclusão social. Por outro, as agências de saúde pública defendem o uso mínimo de tecnologia digital pelas crianças devido a preocupações com sua saúde física e mental.

Ao lado dos riscos à saúde causados pelo sedentarismo, surgem também as preocupações com o desenvolvimento cognitivo e emocional, o que inclui a diminuição da atenção durante as interações verbais, a dificuldade para solucionar problemas com base no contexto e no ambiente, o isolamento social e o cyberbullying. Entretanto, serão as questões posturais que irão acometer irrestritamente os usuários, pois independem de filtros parentais ou da estrutura emocional única de cada criança.

Posturas pobres, mal sustentadas e movimentos repetitivos, com prejuízo das atividades motoras grossas, são parte integrante dos dispositivos digitais. Dores no pescoço, nas mãos e nas costas em idade cada vez mais precoce costumam acender os primeiros sinais de alerta sobre o exagero no uso destas tecnologias.

Ivan Cruz

Ivan Cruz

Além da redução no tempo de exposição (máximo de 2 horas por dia para crianças de 7 a 12 anos de acordo com a Academia Americana de Pediatria), a realização de atividades físicas que explorem a variabilidade e liberdade do movimento, valorizem o aprendizado motor e a adaptabilidade ao ambiente são as mais indicadas para fazer frente ao imobilismo.

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Maria Jane Eyre Melo

Ironicamente, os mesmos dispositivos que reúnem tantas funções ao alcance de nossas mãos também podem orientar as crianças a realizar exercícios físicos regulares, estabelecer metas e mensurar seu rendimento. Mas é preciso estar claro que a maior beneficiária deste modo de vida é a criança, que ao apropriar-se do próprio corpo deixa de servir de suporte material para os meios de tecnologia digital no presente e meios de produção no futuro.

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